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CAFÉ FRIO (OU “A ARMADILHA DAS REDES SOCIAIS”)

Atualizado: há 3 dias

Pingos de chuva tamborilam no telhado. Quando o trovão ruge, abro os olhos e, ainda sonolenta, tateio a mesa de cabeceira em busca do celular para checar o horário: 6:30 de um domingo de manhã.

Tenho poucos planos para o dia e decido ficar um tempinho a mais deitada sob os lençóis macios enquanto escuto a chuva cair.

não usar mais instagram

Meus dedos se fecham sobre o celular, que ainda está em minhas mãos, e me percebo repentinamente impaciente por checar mensagens, e-mails, novidades nas redes sociais. Desbloqueio a tela e, sou preenchida por um breve alívio, até que ele é drasticamente substituído pela avidez em conferir tudo aquilo que perdi nas últimas horas. Respondo mensagens, vejo os últimos vídeos da viagem de Ana, me deleito com as curtidas e comentários no meu post mais recente.


Depois de vários minutos rolando a tela, recoloco o aparelho na mesinha e pego meu livro. Pouco li nos últimos tempos, e a leitura de “Razão e Sensibilidade” está levando longos meses para ser concluída. Tento me concentrar, mas um peso comprime o meu coração, como se o novo dia à minha frente estivesse completamente destituído de graça ou encanto. Respiro fundo. Penso que tudo está bem. Faço uma lista mental do que tenho a agradecer. Mas o aperto não se desfaz.


Para me distrair, resolvo dar mais uma checada nas redes sociais. Quem sabe alguns posts inspiradores não melhoram o meu astral? Dentre centenas de vídeos rápidos e divertidos, vejo uma cena belíssima de um café da manhã em família: mesa posta com capricho, um delicado de arranjo de flores no centro, uma Bíblia aberta, as crianças sorrindo. Bem, se eu fosse casada e tivesse filhos, sem dúvida nossas refeições de domingo também seriam assim. É claro.


9h30. Três horas se passaram, e eu mal percebi. Vou até a cozinha e me deparo com a pia repleta de louças. A combinação do céu acinzentado e a cozinha suja derruba ainda mais o meu humor. Munida com meus fones de ouvido, vou “à luta”. Ouço um podcast após o outro, enquanto vou lavando de forma automática. Escuto sobre rotinas da manhã absolutamente deliciosas, dicas para cuidar melhor da casa e uma entrevista com uma historiadora da arte. Termino a cozinha me sentindo ansiosa e exausta. Preparo um café preto forte e quente, como gosto, e decido fazer um post para me animar. Arrumo a xícara de café no cantinho mais bonito da sala e faço o registro.

Quando termino de editar a foto e escrever a legenda, o café está frio.

Engulo o líquido sem nenhum prazer enquanto olho o jardim pela janela. A chuva parou e um sol morno começa a surgir por entre as nuvens. Sem dúvida uma caminhada pelo bairro seria revigorante. Ao me encaminhar para o quarto, olho para o convidativo sofá da sala.

Dou um suspiro, completamente rendida.

Me acomodo no sofá. Com o celular a postos, é claro.

Será que muitas pessoas já curtiram a foto do café?

 
 
 

2 Comments


Guest
há 2 dias

Já tive muitas manhãs assim Andréia mas, depois que desativei o Instagram me libertei e não sinto saudades! Tem sido mesmo libertador e como você diz, uma verdadeira bênção, guardar determinados momentos apenas na memória e no coração ❤️

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Aline
há 3 dias

Quem nunca experienciou uma manhã dessas atire a primeira pedra. Pois cá estou eu , ao invés de entregue ao sono dos justos comentando um texto representativo de dias atuais . Penso em como não ser a protagonista desse conto. Quais estratégias? Como se livrar da dopamina digital.

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