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ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Um conto sobre a incômoda urgência de registrarmos, através de fotos, cada momento dos nossos dias.

Era Dia das Mães.

A caminho do almoço, Ana abriu o vidro e deixou o vento bagunçar seus cabelos enquanto seu marido dirigia pela estrada ladeada por frondosos jacarandás.

"Pare o carro!" - Ana exclamou de repente, fazendo com que Tom freasse bruscamente, sobressaltado.

"O que houve?", ele olhava em volta, tentando entender o motivo do grito.

Ana apontou para a paisagem logo à esquerda. Por entre as árvores se via a represa, cujas águas brilhavam ao refletir a luz do sol. Em uma das margens, era possível distinguir algumas pessoas sentadas na grama, provavelmente uma família desfrutando de um piquenique.

"Vou tirar algumas fotos!" Ana desceu do carro munida do seu celular e começou a buscar o melhor ângulo para fazer os seus registros, mal notando a expressão exasperada de seu marido, ainda perturbado pelo susto de instantes antes.

"Precisamos ir. Sua mãe pediu que chegássemos antes para ajudá-la, lembra?", Tom chamou sua esposa, puxando-a gentilmente pela cintura. Relutantemente, Ana acomodou-se novamente no banco do passageiro e passou o restante da viagem em silêncio enquanto editava as fotos recém-tiradas.

Em pouco menos de meia hora, o carro foi estacionado sob o pergolado coberto por primaveras bem em frente à casa da família de Ana. Tom deu a volta no veículo e abriu a porta para a esposa, que levou mais algum tempo retocando alguma foto antes de finalmente guardar o celular e seguir o marido até a entrada da casa.

Sorrisos, abraços, beijos. O perfume, tão familiar, das flores frescas arrumadas, com capricho, em vasos espalhados pela casa. A música suave vindo da antiga vitrola. As cortinas leves balançando docemente com a brisa que entrava pela janela.

A mãe de Ana guiou-os até a cozinha, cuja porta balcão estava aberta para o quintal. "Vocês me ajudam a arrumar a mesa?", ela pediu, apontando para a comprida mesa de madeira que ocupava quase todo o pequeno jardim. Tom começou a abrir armários e pegar pratos e copos enquanto conversava com a sogra sobre quem viria para o almoço e o que seria servido. Ana pegou o celular do bolso e começou a tirar fotos de cada um dos detalhes encantadores que seus olhos percebiam.

"Veja, mãe, olhe que lindo" - ela mostrou, na tela, a imagem de quatro xícaras de porcelana que faziam as vezes de vasos, acomodando flores de hibisco e algumas rosas.

"Sim, claro. Montei esses arranjinhos hoje cedo." - a mãe disse, sem muito interesse. "Agora venha me ajudar a tirar a travessa do forno, Ana querida".

A campainha tocou e logo surgiu na cozinha o pai de Ana acompanhado por Sara, sua filha mais velha e seus netos. As crianças correram para o jardim, felizes, e Sara se prontificou a ajudar a mãe a terminar de preparar a lauta refeição.

Sobre a mesa, travessas vazias, copos de água e suco pela metade, guardanapos de pano usados. Sara e sua mãe estavam aconchegadas nas confortáveis cadeiras almofadadas do jardim, recebendo nas pernas o morno sol do fim de tarde e observando as crianças brincarem.

Os homens continuavam sentados à mesa tomando café e conversando sobre seus assuntos aparentemente muito sérios e impessoais mas que, ainda assim, tinham o efeito de aproximá-los.

E Ana estava em pé, apoiada na porta da cozinha, sorrindo ao conferir as fotos do dia no seu celular: a pequena Cecília, de três anos, segurando a sua colher cheia de purê e uma expressão de pura felicidade no rostinho; Tom sentado ao lado do sogro e gargalhando de alguma piada que acabara de ser contada; Sara segurando Fred no colo e lhe oferecendo um pouco de suco; Lili, a gatinha da família, entretida com seu velho ratinho de brinquedo.

"Ana, venha cá", chamou sua mãe, batendo com as mãos sobre o assento de uma cadeira ao seu lado. Ana deixou o aparelho sobre a bancada da cozinha e foi até onde sua mãe e irmã estavam.

Cecília e Fred acariciavam a gatinha, e Ana sentiu um comichão em seus dedos. "Ah, vou buscar o celular para tirar uma foto deles. Olhem que lindos estão!"

Sua mãe colocou uma das mãos sobre suas pernas para que ela não se levantasse. "Fique, minha querida."

A filha abriu a boca para protestar mas, antes que pudesse falar, sua mãe, com um olhar gentil e um sorriso amoroso, lhe aconselhou:

"Guarde esta cena "apenas" no seu coração".

 
 
 

2 comentarios


Olívia Araújo
13 may

Houve uma época que morei fora do Brasil, e uma das coisas que mais escutei antes de ir foi: "Registra tudo, mostra seu dia para nós no seu instagram", e assim o fiz. Mas sinceramente, eu nunca realmente quis, só vi isso como uma "tarefa obrigatória".

Voltar ao país foi como se libertar do celular. Primeira coisa que fiz: desinstalei o instagram. O que eu acho interessante é que, apesar de ter mostrado tantas coisas, nenhuma postagem minha teve o mesmo impacto de quando eu me reunia com as pessoas, colocando os papos em dia, e via elas realmente se conectarem com minha contação de história de como foi minha experiência no exterior. Recentemente eu até ouvi uma amiga dizer…

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Nátali
13 may

A sensação de perder algo quando não estamos on-line também se estende para a mesma situação de querer registrar tudo, como se não tivéssemos vivido se não fosse fotografado e mostrado aos outros.

Acho que a câmera do nosso celular deveria ter um limite de fotos por dia. Cinco fotos apenas e mais nada! As fotos deveriam voltar a ter valor, se você tem o limite de cinco fotos irá tirar apenas o que vale a pena, a grande maioria é apenas vício de registrar tudo. Foto antigamente era tesouro, uma jóia, vestia-se para o momento, tinha ritual, mas as facilidades e o excesso dos nossos tempos tiraram a beleza da coisa.

Outro dia fui passear com uma amiga e…

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